Em alguma época de nossa existência, os seres humanos eram tão vazios quanto um balão de ar, preenchidos apenas com sentimentos escuros e egoístas. Podíamos reparar tais detalhes em suas expressões: mortas e frias.
Nesse período, em uma união sem amor, nasceu um garoto sem nome. A mãe cuidou do menino até que ele completasse doze anos. Depois, morreu. Ninguém lhe quis, pois naquela época não existia compaixão ou laços familiares fortes o suficiente para isso. A justiça era fraca, quase inexistente, e, assim, ele cresceu sozinho, o que acontecia com a maioria das crianças. Estudou e trabalhou. Quando completou dezoito anos, batizou a si mesmo de Observador.
Observador possuía um caderno em que escrevia todas as ações dos seres humanos que via. Observador não tinha uma personalidade definida, não achava nem queria nada, e por isso o caderno lhe era útil: baseado nas atitudes dos outros, ele praticava as suas próprias. Observador era tão vazio quanto o resto das pessoas.
Todos os dias, rigorosamente, ele fazia suas anotações. Naquela tarde, quando estava dentro do ônibus, voltando para casa, havia feito apenas uma. Os seres humanos estavam se tornando repetitivos, até chegarem ao ponto de não ter nenhuma novidade em suas atitudes. Observador estava fadado à mesmice até o fim de sua vida.
Ou pensava que estava, até sentir um aroma. Não existiam aromas naquele lugar, pois tudo e todos eram neutros. Quando levantou os olhos, viu uma mulher com roupas coloridas, sorridente. Observador nem ao menos sabia o que era um sorriso até aquele momento, mas decidiu que queria ver mais deles. Reparou na reação dos outros. Todos encaravam a mulher com repugnância. Ele se sentiu confuso. A estranha sentou no último lugar do ônibus. Observador anotou, em seu caderno, algo que (pela primeira vez) não queria praticar: "Sobre pessoas da espécie com comportamentos diferentes: ignorar, estranhar, esnobar".
O cheiro dela se espalhou, e todos passaram a viagem com o nariz franzido. Observador até tentou fazer o mesmo, mas não conseguiu. A mulher, depois de um tempo, desceu em um ponto que Observador nunca havia reparado. Em um lapso de coragem, ele desceu atrás. Começou a segui-la, sem saber muito bem o porquê.
Seu nome era Íris.
Naquele dia, ela apenas foi para casa, que tinha um jardim colorido e um laranja vibrante nas paredes. Pela janela, Observador pôde ver Íris abraçando uma senhora. Ele nem ao menos sabia o que era um abraço, mas havia gostado do gesto. Abriu seu caderno de anotações, separou uma folha e, no alto, escreveu: "Sobre a Mulher Colorida", e embaixo: "Há um movimento estranho que ela fez: passou os braços na cintura da idosa, enquanto a idosa rodeava os dela em seu pescoço. É uma atitude que exige muita proximidade, mas não parece ruim". Logo depois, fechou o caderno e caminhou de volta para o ponto, esperando o próximo ônibus que o levaria para casa.
Nos dias seguintes, Observador continuou a seguir Íris. Já havia se tornado uma rotina que ele desfrutava. Sempre havia uma surpresa para anotar, e o seu caderno encheu com os relatos da Mulher Colorida, que a cada dia se tornava mais fascinante. Ele descobriu a dança, o canto, a brincadeira, o riso; experimentou diversos aromas do lado de fora, às vezes de comida, às vezes de perfume; aprendeu a sorrir e a observar de um jeito totalmente novo. Ele não sabia o nome de nada do que anotava, mas tudo parecia tão bom que nem era relevante ter uma classificação.
Depois de muito tempo apenas observando, ele decidiu ter algum contato com Íris. Seguiu-a, como sempre fazia, mas dessa vez correu para alcançá-la. Perguntou seu nome. Lhe mostrou seu caderno. Descobriu como Íris chamava cada coisa que ele havia escrito. Experimentou o beijo e a essência de uma mulher.
O tempo passou tão rápido depois daquilo, e Observador percebeu o quanto tinha perdido sendo vazio. Ele adquiriu um aroma próprio e se acostumou com os narizes franzidos e os olhares tortos. Passou a viver com Íris, e seu caderno ganhou cor e cheiro de poesia. As páginas, agora, eram enfeitadas com flores, e cada uma contava alguma parte dos seus dias.
Observador não viveu tanto quanto queria. Íris foi logo depois. As páginas que ele escreveu se espalharam; algumas eram as ações que praticava no vazio, e outras eram pura poesia. Cada pessoa decidiu o lado que queria seguir, formando uma divisão no mundo inteiro, mesclando um lado com o outro, sem que pudessem perceber o que havia no interior do seu próximo.
As páginas do caderno de Observador se perderam no meio da confusão. Algumas se rasgaram, mancharam ou molharam, mas todas continuaram legíveis. Cada uma foi levada para um lugar, preservadas naturalmente, e agora fazem parte de outras vidas, contando uma história diferente.
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