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Máquina de escrever: Futuros inexistentes


São poucos os meus amigos.

Ele era um dos únicos restantes. Quando me convidou para  jantar não pude recusar. Esperava que a conversa à mesa focasse nos feitos de sua vida, aos quais eu estava desatualizado.

Fui recebido pelo cheiro de macarronada e por duas crianças agarrando minhas pernas.

Meu amigo estava no banho e quem me recebeu foi sua mulher, tão simpática e sorridente que quase me envergonhei de minha carranca. Eu observava os malabarismos que ela fazia na cozinha, cuidando da comida e dos filhos puxando sua calça. Fiz a oferta de cortar alguns legumes e ela aceitou, agradecida.

Dei às crianças uma caneta multicores e aquilo as distraiu tempo suficiente para a mãe ter um descanso. Enquanto fatiava os tomates em cubinhos, reparei no colar que ela usava com uma miniatura da Torre Eiffel.Típico. Mas por algum motivo me interessou:

— Já conheceu a França?

Inicialmente ela se confundiu. Depois, pareceu lembrar do acessório.

— Não, mas era o que eu mais queria antigamente.

Não sabia se era o começo de um desabafo, então respondi com silêncio. Entretanto ela continuou:

— Quando era mais novinha, tinha o sonho de viajar o mundo com cinco reais no bolso.

— Isso parece ser bem arriscado.

— É. Nessa idade nós criamos futuros que podem não existir. — E sorriu pra mim de um jeito afetado.

— E por que não poderia existir? — Apesar de já saber a resposta, me senti na obrigação de perguntar.

— Envelheci, Jack. Minha vida é dedicada às crianças. — Deu de ombros. — Agora sou mãe. É muita responsabilidade.

Parei de fatiar os tomates.

— E os seus sonhos?

Na última sílaba da frase pude ouvir meu amigo descendo as escadas, ruidosamente. Ela voltou a se concentrar em mexer o molho de tomate como se fosse de interesse vital. Ele beijou os dois filhos na testa e depois me deu um grande abraço. Para sua mulher, reservou um beijo apaixonado na bochecha. Ela sorriu, mas seu olhar não.

Mais tarde, ela me diria, na porta de entrada: "Às vezes vale a pena desistir por coisas mais importantes."

E o que seria importante?, eu me perguntei. Meu cérebro tentou decidir se certas decisões valiam a pena.

Papel e caneta não resolveram o meu dilema.

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