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Milk-shakes ruins não valem uma foto

— Não sei explicar direito, é como se o dia falasse com você. Entende? — Angela torceu os dedos das mãos.
O rapaz franziu a testa e riu, mexendo o milk-shake de limão com o canudo. Será que o dele estava bom? Porque o dela estava péssimo.
— Não sei se entendo, na verdade — respondeu, colocando o canudo na boca. — O dia... Fala?
— É... Tipo isso, não é literalmente falar... — Angela balançou a cabeça, comprimindo os lábios. — Deixa pra lá.
— Certo.
"Resposta errada", pensou a moça. "Erradíssima.". Mexeu o próprio milk-shake com velocidade. A foto tinha ficado muito bonita no status, mas o gosto não estava valendo a pena.
— O que você faz?
"Que pergunta babaca", grasnou ela, internamente.
— Faculdade. — Ela sorriu. — Nas horas vagas. 
Ele uniu as sobrancelhas.
— Era uma piada — completou Angela.
— Ah...
O celular da moça começou a vibrar na mesa. "Sorry not sorry" da Demi Lovato soou alto na sorveteria, fazendo alguns olhares se voltarem para suas costas. 
— Um segundo — disse, levantando rapidamente para atender a ligação. — Alô?
— Tudo certo por aí? — A voz rouca de seu melhor amigo a obrigou a respirar com alívio. Ela se afastou mais alguns passos para ter certeza que o rapaz que havia ficado na mesa não a ouviria.
— Tá uma bosta, Jorge — respondeu. — Ele é chato e não entendeu minha filosofia dos dias que falam.
Do outro lado da linha, Angela ouviu o amigo bufando. Uma clara tentativa de segurar a risada.
— Te pego em um minuto. Espere do lado de fora — disse ele.
— Ok. Obrigada. Amo você.
— Sei disso. 
Angela sorriu e encerrou a ligação, voltando a passos lentos para a mesa. Apoiou as mãos na cadeira que anteriormente estava sentada, antes de dizer:
— Aconteceu um imprevisto. Meu primo passou mal. — Angela fez uma expressão de "trágico". — Preciso ir vê-lo. Mas foi legal, me chama no WhatsApp pra marcarmos de novo.
— Claro... — O garoto expressou decepção. — Melhoras ao seu primo. — Ele fez menção de se levantar para se despedir com um abraço ou um beijo no rosto, mas Angela andou rapidamente para trás, acenando. 
A porta da sorveteria nunca pareceu tão distante, e quando cruzou a saída, o ar puro nunca lhe pareceu tão agradável.
Em menos de um minuto, o Corolla azul de Jorge estava estacionado a sua frente. Angela sorriu, entrando no veículo. 
— Olá, gatinha — brincou ele, encarando a sua mais nova companhia. 
Angela apenas balançou a cabeça e riu. Jorge arrancou com o carro.
— Então é isso, nenhum cara me entende, todos eles são extremamente superficiais e eu desisto de me relacionar com seres humanos.
O rapaz no volante riu. Alto.
— Comprei uma barra de chocolate da Nestlé pra você, tá no guarda-volumes — disse. — E é claro que você vai se relacionar.
A moça buscou a barra de chocolate como uma exploradora faminta. Quando alcançou a embalagem vermelha, desbloqueou o celular para tirar uma foto. O doce virou um storie no Instagram. Milk-shake e chocolate no mesmo dia, daqui a pouco as pessoas iam comentar que ia ficar diabética. 
— Estou perdendo as esperanças — murmurou, mordendo um pedaço do tablete.
— Qualquer coisa, você vive numa casa isolada da sociedade e alcança a iluminação. — O moço piscou.
— Beleza.
Ele percebeu tarde demais que talvez tivesse falado a coisa errada. Deu um pigarro.
— Você tem onde dormir hoje?
Angela negou com a cabeça. Tinha onde dormir, mas só se quisesse ser espancada pelo irmão drogado.
— Minha casa é a sua casa.
Ela sabia que aquilo não era verdade, mas as palavras eram extremamente gentis, então deu um sorriso fraco ao amigo. 
— Seus pais estão lá? — perguntou ela. 
— Só de noite. Mas você sabe que eles te amam.
— Não quero ser um incômodo pra ninguém. — A voz dela estava começando a soar chorosa.
— Você nunca vai ser um incômodo pra mim — refutou Jorge com firmeza, os olhos fixos no caminho que estava percorrendo.
Angela assentiu, meio fungando.
O resto do trajeto foi feito em silêncio. Angela quase não sentiu que estava em movimento, e gostaria de ter continuado assim, mas a entrada da casa do amigo logo se tornou visível aos seus olhos. 
Enquanto ele estacionava o veículo em frente ao portão, Angela sentiu o dia mudando novamente, e perguntou-se se estava tentando falar com ela de novo.
O casal de amigos desceu do Corolla. Jorge achou as chaves em algum lugar perdido do bolso. Assim que a porta foi destrancada, Angela adentrou o local como se fosse seu — talvez porque estava começando a se tornar seu mesmo, mais do que ela queria. 
A primeira visão, quando entrava, era a de um enorme e confortável sofá de couro. Angela já tinha se acostumado com as paredes verde-musgo (cor que, estranhamente, gostava) e o piso de madeira fazendo barulho conforme pisava nele. Ela se jogou no sofá, como de praxe. Jorge se jogou ao lado dela. Ficaram olhando para o teto por alguns instantes. Angela puxou o celular e tirou uma foto do seu All Star surrado em cima do piso. 
No Tumblr, não importava se estava surrado. Ficava até cult.
— Salvei mais uns vestidos de casamento na minha pasta do Pinterest — comentou ela. 
— Essa pasta tá ficando bem grande, né? 
— É, mas já tem mais de 700 seguidores. As pessoas parecem gostar de imaginar casamentos.
O celular apitou. Curtida na foto que havia tirado com Jorge na semana passada. 
"Lindos! Quando vão assumir o namoro?", era o comentário de uma de suas tias.
Angela riu sozinha e olhou para o amigo, que retribuiu a encarada.
— O quê? — Ele riu também. 
Ela levantou o celular e fez a câmera capturar o sorriso espontâneo do amigo antes que ele se desse conta da situação. 
— Angela! — protestou o rapaz.
Uma rápida edição nos cantos, um filtro bom, um aumento leve na iluminação e... Pronto. "De janeiro a janeiro, até o mundo acabar". Melhor legenda. Checou se a namorada do amigo estava bloqueada na visualização de status do WhatsApp. Estava.
— Sua namoradinha não vai encrencar com isso — falou, ironicamente. 
Jorge não respondeu. Na verdade, foi mais fácil para ele segurar o queixo de Angela entre os dedos e aproximar seus rostos. 
— Ela só encrenca porque você ainda deixa — murmurou, antes de beijá-la. 
"Droga", pensou.
Enquanto a língua de Jorge na sua lhe causava algumas cambalhotas animadas no estômago (e mais embaixo), Angela teve uma fagulha de pensamento, bem rápida, mas insistente: as relações eram líquidas ultimamente, e céus, tinha coisa mais clichê que usar "relação líquida" na sociedade atual? Tanto faz. Ela amava o amigo, isso era um fato, mas não o suficiente pra casar e ter filhos. Talvez porque, olhando suas pastas no Pinterest e casais fofos no Facebook, estivesse procurando algo naquele naipe. Só precisava de um poeta, um sonhador, um romântico à moda antiga, um fotógrafo.
Um príncipe encantado, talvez? Eles existiam, não é? Existiam e estavam ali, esperando por uma oportunidade de aparecer. 
Os encontros fracassados eram só passageiros, sabia disso.
Porém, não sabia muito bem o que se passava na cabeça de Jorge para beijá-la enquanto a namorada não estava ali. Mas não se importava muito. 
O sexo era bom, afinal. 
E as roupas jogadas no chão rendiam boas fotos pro Instagram.

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